terça-feira, maio 15, 2007

Calçada Portuguesa






Chamo-me passeio
Faço parte da História da cidade
Rasgaram-me em terra batida
Fui lamaçal com o frio e as chuvas
Poeirento ao calor e ao vento
Até se cansarem dos meus caprichos
Vestiram-me mais tarde com cubos de granito
E fui brindado na despedida do século dezanove
Com elegantes e distintos candeeiros a gás.
Perdi imponência e na minha decadência
Convivi décadas com mulheres da vida
Encostadas ao correr das minhas fachadas
Nos terraços que me animaram os serões
Senti o fel e o babel dos marinheiros ébrios
Presenciei brigas e tragédias de navalhas
Cenas de ciúmes a mancharem a minha reputação
Limparam-me de novo a face
E a perícia e o suor de mestres cantoneiros
Com arte e carinho imortalizaram-me,
Com muito gosto,
Em calçada portuguesa

Epitáfio




Aqui jaz o Sol
Que criou a aurora
E deu luz ao dia
E apascentou a tarde

O mágico pastor
De mãos luminosas
Que fecundou as rosas
E as despetalou.

Aqui jaz o Sol
O andrógino meigo
E violento, que

Possuiu a forma
De todas as mulheres
E morreu no mar.

Vinicius de Morais

terça-feira, maio 08, 2007

O teu Olhar



Passam no teu olhar nobres cortejos,

Frotas, pendões ao vento sobranceiros,

Lindos versos de antigos romanceiros,

Céus do Oriente, em brasa, como beijos,



Mares onde não cabem teus desejos;

Passam no teu olhar mundos inteiros,

Todo um povo de heróis e marinheiros,

Lanças nuas em rútilos lampejos;



Passam lendas e sonhos e milagres!

Passa a Índia, a visão do Infante em Sagres,

Em centelhas de crença e de certeza!



E ao sentir-se tão grande, ao ver-te assim,

Amor, julgo trazer dentro de mim

Um pedaço da terra portuguesa!




Florbela Espanca